quinta-feira, 6 de março de 2008

“A pergunta sobre o início da vida é uma armadilha para o debate sobre aborto no Brasil”

29/ 02/ 2008 - www.unb.br

Entrevista com a antropóloga Débora Diniz

RODOLFO BORGES
Da Secretaria de Comunicação da UnB
Rodrigo Dalcin/UnB Agência


O Supremo Tribunal Federal (STF) vota, no dia 5 de março, uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) que questiona o artigo 5º da Lei 11.105 (Lei de Biossegurança), que prevê o uso de células-tronco embrionárias de humanos em pesquisa e terapia. De acordo com a ADIn 3510, proposta pelo ex-procurador geral da República Cláudio Fonteles, “a vida humana acontece na, e a partir da, fecundação”, e, portanto, o artigo “inobserva a inviolabilidade do direito à vida, porque o embrião humano é vida humana, e faz ruir fundamento maior do Estado democrático de direito, que radica na preservação da dignidade da pessoa humana”.
Recheada de depoimentos de professores e especialistas que concordam que a vida humana se inicia assim que o espermatozóide fecunda o óvulo, a ADIn sugere ainda que, perante os resultados alcançados até agora com a utilização de células-tronco adultas, trabalhar com embriões é desnecessário. Mas enquanto cientistas e religiosos contrários à utilização de células embrionárias em pesquisa se esforçam na tentativa de definir em que momento a vida começa, a antropóloga e professora da Universidade de Brasília (UnB) Débora Diniz garante que não é necessário responder a essa questão para permitir a continuidade das pesquisas no Brasil.
“A Lei de Biossegurança não precisa definir quando começa a vida, porque ela restringe a pesquisa a embriões sem potencialidade de vida”, explica a professora do Departamento de Serviço Social (SER) da UnB. Para Débora Diniz, a questão do início da vida está sendo abordada por motivos que extrapolam a ciência. “Essa pergunta é uma armadilha para o debate sobre aborto no Brasil”, alerta. A antropóloga lembra que se o STF definir que a vida começa no embrião, nem as possibilidades de aborto previstas em lei poderão ser realizadas. Além disso, a pílula do dia seguinte se tornaria ilegal e seria praticamente impossível realizar procedimentos de reprodução assistida.
Na opinião da antropóloga, a ADIn proposta por Cláudio Fonteles tem motivações religiosas, apesar de o ex-procurador afirmar o contrário. “Apesar de ele (Fonteles) repetir que isso é uma questão jurídica e laica, os advogados que fizeram a sustentação da ADIn e que vão fazer a sustentação oral na próxima quarta-feira são todos vinculados à Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e à Igreja Católica”, aponta. Na entrevista concedida à UnB Agência, a professora e pesquisadora do Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero (Anis) lembra que nenhum país que discutiu a utilização de embriões em pesquisas abordou a questão pelo viés sugerido pela ADIn 3510 e diz que seria precoce descartar as pesquisas com células-tronco embrionárias antes de identificar seu verdadeiro potencial.
UnB AGÊNCIA – Por que a senhora considera errado o argumento proposto pela Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn)?DINIZ – O artigo 5º da Lei de Biossegurança (questionado pela ADIn) diz que é possível fazer pesquisas com células-tronco de embriões. Nesse mesmo artigo, está definido que a pesquisa deve ocorrer com embriões inviáveis, definidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) como aqueles que não têm potencialidade de desenvolvimento celular. Quer dizer, mesmo que sejam transplantados para o útero de uma mulher, eles não se desenvolverão num futuro feto ou criança. Eles estão fadados à lata do lixo ou ao congelamento permanente. Afora essas possibilidades, existe a pesquisa. A Lei de Biossegurança, portanto, não precisa definir quando começa a vida, porque restringe a pesquisa a embriões sem potencialidade de vida. Eu afirmo que isso é um falso problema porque nenhum país do mundo que regulamentou pesquisa com embriões começou por essa pergunta.
Rodrigo Dalcin/UnB Agência


“Eu desafio qualquer um dos 11 ministros a definir quando a vida humana tem início sem apelo à mística religiosa”


UnB AGÊNCIA – Então, por que a ADIn propõe a discussão sobre o início da vida?DINIZ – Essa pergunta é uma armadilha para o debate sobre aborto no Brasil. Se o Supremo (Tribunal Federal) cair nessa armadilha e responder “a vida começa na nidação, quando o ovo chega ao útero” ou “começa na fecundação” ou “no desenvolvimento da capacidade nervosa”, ele vai criar um marco no debate sobre aborto. Se definir que a vida começa com a atividade cerebral, como ocorreu nos Estados Unidos, o aborto será permitido até o quarto mês de gestação. Se disser que a vida começa na nidação, não haverá mais aborto, mesmo em caso de estupro e de risco de vida para a mulher. Quando a ADIn ignora que apenas os embriões inviáveis podem ser utilizados e lança a pergunta sobre o início da vida, a rede de influência é muito maior. Uma decisão do Supremo em matéria constitucional tem poderes erga omnes, ou seja, vale para todos e em todas as situações. O Supremo tem dois caminhos: dizer que não precisa responder a essa pergunta para avaliar o artigo 5º da Lei de Biossegurança ou respondê-la. Esse problema não está sendo colocado em termos democráticos justos. A Lei de Biossegurança foi amplamente discutida no Congresso Nacional, foi votada com toda a representação democrática e teve todas as cautelas constitucionais e jurídicas. É pouco respeitoso à democracia levar o debate sobre o aborto por um atalho.

UnB AGÊNCIA – Quem foi responsável por apresentar a ADIn? DINIZ – Não é à toa que o pedido foi apresentado pelo então Procurador-geral da República Cláudio Fonteles (conhecido pela defesa de posições baseadas na religião). Apesar de ele repetir que isso é uma questão jurídica e laica, os advogados que fizeram a sustentação da ADIn e que vão fazer a sustentação oral na quarta-feira, 5 de março, são todos vinculados à Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e à Igreja Católica. A tese sobre o início da vida é religiosa. Isso não significa que ela não seja legítima. Ela é legítima no ordenamento social, mas não para fundamentar a Constituição brasileira. Se somos um estado laico, o Supremo vai ter de decidir o assunto com o que nós chamamos de razão pública, que é uma razão laica.

UnB AGÊNCIA – Quer dizer que não é possível definir qual é o início da vida sem recorrer à religião? DINIZ – Eu desafio qualquer um dos 11 ministros do STF a definir quando a vida humana tem início sem apelo à mística religiosa. Não é a Biologia que responde isso, porque ela não tem uma resposta. Nós temos apenas convicções. Posso dizer que o pulsar de um coração significa vida. Mas essa é apenas uma definição, diferente da definição do ordenamento jurídico brasileiro, que considera vida a existência de atividade cerebral. Isso é arbitrário? Sim, como todas as nossas construções sociais. A pergunta é: no caso de um embrião inviável, precisamos definir início de vida? A resposta é não.

UnB AGÊNCIA – Quais são os grupos envolvidos no debate?DINIZ – Nós somos três entidades de um lado: a Anis, a Conectas e a Movitae. A Conectas e a Movitae são entidades de pessoas portadoras de doenças crônicas e degenerativas, e querem promover a pesquisa com células-tronco embrionárias. A Anis representa o campo da bioética. São três amicus curiae (amigos da corte) deste lado. Do outro lado está a CNBB.

UnB AGÊNCIA – Cientistas que são contra a utilização de células-tronco embrionárias denunciam motivações econômicas por trás da defesa dessa prática. A senhora concorda que causas escusas estão atrapalhando as discussões?DINIZ – Não. Não existe ciência fora do capitalismo, ela é um empreendimento. Mas a ciência também tem suas motivações éticas, e eu acredito que todos os cientistas que representaram a elite da ciência brasileira na audiência pública de 2007 (convocada para discutir a questão) têm motivações éticas baseadas no progresso da ciência. Eles estão assentados dentro de um empreendimento que precisa de financiamento, e é indubitável que há grandes laboratórios interessados na pesquisa com embriões humanos, mas eu não conheço nenhum cientista brasileiro envolvido nesse debate com motivações escusas. A ciência está associada ao capitalismo, essa é a lógica da indústria farmacêutica. Quem financia pesquisa no mundo inteiro não são os Estados.

UnB AGÊNCIA – Se forem proibidos experimentos com células-tronco embrionárias, a pesquisa brasileira vai ficar muito defasada?DINIZ – Sem a menor dúvida. Israel autoriza desde a pesquisa com embriões até a clonagem. Os Estados Unidos também autorizam essas pesquisas, desde que feitas com financiamento privado. Japão, China, Reino Unido, Austrália, Holanda e França são outros que autorizam. Cada um a seu modo: uns autorizam até a clonagem, outros apenas para fins terapêuticos. Mas a questão é que nenhum desses países iniciou o debate pela definição de quando a vida tem início. A pergunta que deve ser feita é: quem não autoriza? Geralmente são os países com forte tradição católica e religiosa.

UnB AGÊNCIA – Como essa questão foi tratada nesses outros países?DINIZ – Na Alemanha, que tem fantasmas recentes do nazismo, o tema é bastante problemático. A pesquisa com embriões ainda é proibida, mas o debate está sendo deflagrado sobre o ônus da liberdade científica. O mesmo aconteceu na Inglaterra. Os ingleses lançaram o debate dizendo o seguinte: quando o Estado intervém na ciência e pretende proibir o cientista de agir, ele precisa ter motivações públicas, fundamentadas em direitos humanos. São países que, como a França, preferiram optar pelo caminho da liberdade científica com prudência, discutindo as questões sob o prisma da biossegurança, para conhecer os riscos. Outros países, como a China, optaram pelo caminho da corrida biotecnológica, porque não queriam ficar para trás. Em Israel, o debate levou em conta a compaixão, a solidariedade e a possibilidade de cura. A regulamentação de Israel diz que a ciência traz benefícios para o bem-estar, para a cura e para tratamentos, e, por isso, não pode ser interrompida.

UnB AGÊNCIA – Em que pé estão essas pesquisas no Brasil? DINIZ – No Brasil, já foram investidos R$ 25 milhões pelo Ministério da Saúde em pesquisas com células-tronco embrionárias. Esse foi o financiamento oficial do Ministério da Saúde no primeiro edital do CNPq, publicado em 2005. Essas pesquisas não foram interrompidas, porque estão protegidas pela legalidade da Lei de Biossegurança, e seus primeiros resultados (de uma pesquisa sobre cardiopatias) serão divulgados ainda no primeiro semestre de 2008.

UnB AGÊNCIA – Cientistas sul-coreanos conseguiram produzir, recentemente, células-tronco a partir da pele de ratos. Norte-americanos e japoneses já tinham alcançado resultado parecido, e também é possível trabalhar com células-tronco adultas, retiradas da medula óssea ou de cordões umbilicais. As pesquisas com células-tronco dependem mesmo de embriões humanos?DINIZ – A tendência atual da ciência é dizer que as células-tronco embrionárias são mais eficientes e podem dar resultados mais rápidos, mas nós não sabemos ao certo. Esse é um bom motivo para não proibir sua utilização. Há uma aposta na potencialidade da pesquisa com células-tronco embrionárias, porque elas são totipotentes – podem se transformar em quaisquer outras. A ciência caminha por meio do teste de hipóteses. Nós não podemos refutar uma hipótese sem termos resultados. Na verdade, o que os movimentos contrários à pesquisa com embriões tentam dizer é que nós podemos fazer pesquisa com células adultas e podemos prescindir dos embriões. Com isso, nós estamos lançando a refutação de uma hipótese sem testá-la. É preciso testar embriões para dizer se eles nos servem. Trabalhar com células adultas não exclui trabalhar com células embrionárias. É preciso que essas pesquisas caminhem juntas, e a melhor resposta é a que vai valer. Nós só eliminamos hipóteses quando elas se mostram danosas e implicam riscos que não queremos correr, e esse não é o caso.

UnB AGÊNCIA – De acordo com a Lei de Biossegurança, só podem ser utilizados para pesquisa embriões inviáveis ou congelados até 2002. A senhora considera esses limites razoáveis?DINIZ – Sim, mas é bom lembrar que nenhum país fez isso. O Brasil assumiu o embrião inviável como parte de uma concessão para esse debate religioso sobre a mística do início da vida. Essa concessão já eliminou o debate sobre o início da vida, porque esses embriões inviáveis estão mortos, no sentido de que não têm potencialidade de vida. Isso já foi uma enorme concessão democrática no debate brasileiro, e, se vai permitir que a ciência avance sem restringir a liberdade dos cientistas, vamos adiante. A lei foi sensível ao ordenamento moral da sociedade brasileira. Nós ainda somos uma democracia laica com enorme poder religioso nas suas instituições básicas.

UnB AGÊNCIA – A clonagem terapêutica ainda não é permitida no Brasil, e não será mesmo que o STF vete a ADIn. Esse impedimento atrapalha o avanço das pesquisas no país?DINIZ – De certa forma sim, mas nós ainda não resolvemos uma questão básica de biossegurança: não sabemos clonar humanos. Qualquer teste de clonagem humana vai ter enormes riscos de biossegurança. Então, ainda não é possível permitir essas pesquisas. A pergunta no campo do que pode ser permitido tem de ser pautada pela segurança nos procedimentos, com garantias de direitos humanos. Portanto, permitir seria temerário, porque não sabemos ainda o que fazer. Precisamos aprofundar o que fazer nos animais mais próximos dos humanos para, daí, lançarmos a pergunta sobre se precisamos da clonagem em humanos.

UnB AGÊNCIA – Atualmente, o teste de medicamentos em humanos depende de voluntários. Em uma primeira fase de testes, os remédios são administrados em pessoas saudáveis, que se dispõem a contribuir para as pesquisas. Na segunda fase, os mesmo medicamentos são testados em pacientes vulneráveis, geralmente em estágio terminal. Se forem crianças, esses pacientes só serão submetidos aos testes se seus pais permitirem. Se o STF definir que a vida começa na fecundação, por exemplo, e os pais permitirem que seus embriões sejam doados à ciência, a situação permanecerá a mesma?DINIZ – Se a Lei de Biossegurança for proibida, não. Hoje, é possível que um casal autorize que seu bebê se submeta a um procedimento para testar a toxicidade de um medicamento, com o objetivo de saber qual é a dose suportada em humanos. Isso acontece quando esse bebê não tem cura nem tratamento. Nós não sabemos mais o que fazer por ele, mas reconhecemos que os pais podem tomar as melhores decisões sobre essa criança, inclusive autorizar uma pesquisa que pode piorar seu quadro. É cruel, mas nós não sabemos fazer de outro modo. Temos de testar a toxicidade de um medicamento. Quem de nós vai levantar o dedo e dizer “eu vou”? Algumas dessas pessoas em estágio liminar entre a vida e a morte consideram que não têm mais nada a perder e decidem ajudar. Nesse caso, isso é reconhecido, mas, no caso dos embriões, não. Se a lei for aprovada, o embrião não estará na mesma situação do bebê, pois estará sob a tutela do Estado, para garantir o direito à vida. Há um conflito entre princípios.

UnB AGÊNCIA – Além de inviabilizar as pesquisas com células-tronco embrionárias, que outras implicações a possível aceitação da ADIn traria?DINIZ – O resultado desse julgamento pode mudar todo o ordenamento jurídico da sociedade brasileira. É um tiro de canhão. Se a ADIn for aprovada, ela vai revogar o Código Penal. Mulher em situação de estupro não poderá mais abortar, porque, segundo essa ADIn, a vida começa na e a partir da fecundação. Assim, ela revoga também a pílula do dia seguinte e proíbe a reprodução assistida no Brasil. Se todos os embriões demandarem um útero para serem fecundados, não haverá maneira prática de realizar esse procedimento. Por outro lado, pode surgir um submundo nas clínicas, porque os embriões inviáveis continuarão a ser descartados, mas num procedimento clandestino. Nós não sabemos fazer um embrião para gerar um ser humano.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

É difícil ser criança na Ceilândia

CIDADANIA

Por Secretaria de Comunicação/UnB http://www.secom.unb.br/bcopauta/cidadania5.htm

Pesquisa da UnB realizada em Conselho Tutelar mostra que
faltam direitos básicos para os jovens da maior cidade do DF

Apoena Pinheiro/UnB Agência

Um levantamento das denúncias registradas no Conselho Tutelar da Criança e do Adolescente da Ceilândia (CTC) de 2003 a 2005 mostra que as crianças da maior região administrativa do Distrito Federal (DF) estão sendo privadas de seus direitos mais básicos. Alimentação, saúde e educação foram identificados pelo pesquisador Arquimedes Belo Paiva, em sua dissertação de mestrado, como os maiores problemas para os jovens da cidade. O sociólogo acompanhou os trabalhos do conselho tutelar durante dois anos e, nesse período, reuniu informações que lhe permitiram avaliar a condição dos pequenos.

Os dados coletados por Paiva e as conclusões que o pesquisador tirou a partir deles estão reunidos na dissertação de mestrado Políticas de proteção à infância: O conselho tutelar de Ceilândia como foco de análise, defendida no Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília (UnB) em junho de 2007. O trabalho foi orientado pela professora Wivian Weller.

Paiva sistematizou as 5.556 fichas de atendimento registradas no CTC de 2003 a 2005. Desses registros, 3.895 diziam respeito a crianças de 0 a 12 anos. Uma análise acurada das mais de três mil fichas mostrou que 28,9% (1.125) delas solicitavam a inclusão de crianças em programas sociais que existem para atender às necessidades básicas infantis, principalmente alimentação. Para piorar, as denúncias de negligência (como abandono e situação de risco físico) representam 20,5% (799) dos atendimentos. “O quadro é ainda pior, pois esses números não retratam toda a realidade. Muitas situações semelhantes a essas não são denunciadas”, afirma Paiva.

DENÚNCIAS – Quem mais busca o CTC são as próprias famílias das crianças, com 65% (2.533) do total. É a mãe quem mais denuncia (78%). Elas geralmente vão ao CTC para revelar situações de negligência ou buscar programas de inclusão social e atendimento em instituições de ensino (creches e escolas). Das escolas, aliás, parte um percentual muito pequeno de demandas ao CTC: apenas 1,5% (57). “Esses números revelam o quanto a escola se construiu como um espaço que não debate a violência dentro e fora dela”, revela o pesquisador.

O sociólogo também analisou as denúncias que foram feitas de forma anônima, e descobriu que elas se concentram, principalmente, em temas como maus tratos e negligência. Essas queixas anônimas geralmente delatam agressões físicas, emocionais e sexuais (nesse espectro há um pequeno aumento em relação às denúncias em geral – de 1,3% para 2,6%, nos anos analisados) que ocorrem dentro de casa, e que, por isso, são mais difíceis de resolver. “A violência doméstica costuma ser acobertada pelo receio de interferir na vida privada de uma família”, esclarece o pesquisador. Segundo ele, esse é um assunto que está em debate politicamente, mas não é bem trabalhado no seio das famílias brasileiras.

CEILÂNDIA – Para realizar a pesquisa, Paiva acompanhou também, de dezembro de 2005 a setembro de 2006, a rotina diária de atendimentos no Conselho Tutelar, realizou entrevistas com os conselheiros e construiu um banco de dados no arquivo do órgão (referentes aos anos de 2003, 2004 e 2005). O sociólogo explica que escolheu a Ceilândia por ser a maior (e uma das primeiras) região administrativa do DF e pelo fato de o Conselho Tutelar da cidade ser um dos únicos no DF a apresentar um sistema de registro das denúncias. E, apesar de tudo o que o pesquisador descobriu, a cidade escolhida por ele não é a pior do DF em qualidade de vida para crianças.

“A situação na Ceilândia ainda é melhor do que em outras regiões administrativas”, garante. Durante sua pesquisa, Arquimedes chegou a visitar outros conselhos tutelares, e identificou, por meio de documentos, que a condição das crianças em cidades como Santa Maria, por exemplo, é bem pior. “Ceilândia tem índices sócio-econômicos melhores, e uma renda per capita maior do que outras regiões do Distrito Federal”, explica. Ainda assim, de acordo com normas do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), a cidade deveria ter dois conselhos tutelares (o Conanda estipula um conselho para casa 200 mil habitantes).

CONSELHEIROS – Além de levantar os números referentes às crianças, Paiva também conversou com os conselheiros da Ceilância. A partir das entrevistas, o pesquisador corroborou os dados coletados. Segundo os funcionários do CTC, as denúncias mais comuns registradas no conselho dizem respeito a maus tratos e negligência, como o levantamento já tinha mostrado. Perguntados pelo pesquisador sobre qual seria uma boa medida para solucionar os problemas, eles afirmaram que é essencial oferecer vagas em creches e pré-escolas para os meninos e meninas da Ceilândia. Essa atitude, diminuiria a quantidade daqueles que ficam nas ruas, deixando-os menos expostos a drogas e abusos.

De acordo com Paiva, esses conselheiros são agentes determinantes na promoção dos direitos da criança e do adolescente. São pessoas escolhidas pela comunidade, reconhecidas por seu histórico de luta pelos jovens. Mas o sociólogo adverte que a posição de conselheiro tem sido usada por partidos políticos para dar uma boa imagem a futuros candidatos. “Os partidos políticos lançam candidatos aos conselhos tutelares na tentativa de construir legítimos representantes da sociedade civil. Mas esse tipo de estratégia pode acabar destoando dos princípios fundamentais do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Se o político não tiver de fato interesse em promover os direitos da criança, o seu trabalho não irá colaborar para a consolidação da criança enquanto sujeito de direitos”, completa.

O Governo do Distrito Federal (GDF) e o CTC, aliás, não costumam se entender. “A relação do CTC com o GDF sempre foi marcada pela tensão entre a atuação de seus conselheiros e as ações de governo”, revela Paiva. O GDF criou a Coordenação de Apoio Técnico-Administrativo dos Conselhos Tutelares, em 2000, com “a finalidade de acompanhar, apoiar e assessorar a atuação dos Conselhos Tutelares”, relata o pesquisador. O órgão deveria dar assessoramento técnico e suporte administrativo aos conselhos do DF, mas, segundo os conselheiros e a observação do próprio sociólogo ao longo de um ano, o órgão ligado à Secretaria de Estado de Ação Social do DF é ausente.


O CONSELHO TUTELAR DA CEILÂNDIA
O Conselho Tutelar de Ceilândia (CTC) fica na quadra QNM, no Centro Cultural da cidade, e desenvolve diversas atividades voltadas ao público infanto-juvenil. O espaço oferece e é considerado referência em cursos de informática, artes marciais, artes em geral e atividades lúdicas. Funciona apenas em dias úteis, das 8h às 12h e das 14h às 18h. A equipe do CTC é formada por cinco conselheiros e outros quatro funcionários (um motorista, duas secretárias e um agente administrativo).


CRIANÇAS NA CEILÂNDIA
A região administrativa de Ceilândia possui uma população total de 332.455 habitantes (Seplan - 2004). Os dados sobre o número de crianças na Ceilândia não são tão precisos, mas, segundo o mesmo levantamento, as crianças de 0 a 9 anos de idade representam 17,7% do total de habitantes da cidade. Somado à quantidade estimada de crianças com idade de 10 a 12 anos, esse percentual cresce para 20% (o que totalizaria cerca de 65 mil crianças na região administrativa).



sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

VOLTA ÀS AULAS - FACULDADE REAL/IMESB (PLANO PILOTO)

Prezados alunos (as),

Comunico que a data de retorno às aulas para os alunos veteranos será no dia 12/02. No mais, desejo um ótimo retorno para todos.

A população pobre do país será beneficiada com os investimentos públicos da Copa do Mundo de Futebol no Brasil em 2014?